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segunda-feira, 25 de setembro de 2017
Violência transpõe os muros da escola e atinge professores
Estado não possui estatísticas oficiais sobre agressões a docentes, mas relatos se multiplicam
Ambientes de aprendizado ficam marcados como locais das agressões Foto: Bruno Gomes Segundo pesquisador, chama atenção que algumas crianças e adolescentes considerem certos atos agressivos não como violência, mas como "brincadeira" - ainda que de mau gosto ( Foto: Fernanda Siebra )
01:00 · 25.09.2017 por Nícolas Paulino - Repórter
"Gosto do que eu faço, não me vejo fazendo outra coisa", confessa a professora de uma escola pública do bairro Vila União, em Fortaleza, que não será identificada. A experiência do magistério, contudo, não tem sido tranquila. Não quando já foi ameaçada por um aluno dentro da sala de aula. Não quando quebraram o limpador de para-brisas de seu carro. Não quando furaram os pneus do veículo de um colega de profissão e arranharam a lateral do de outro. "Me sinto impotente, muito triste, até mesmo deprimida", revela a docente.
O abatimento a obrigou, inclusive, a frequentar o consultório de um psiquiatra, além de afastá-la por dois meses das atividades da escola. "Eu não conseguia fazer o trabalho render. A gente se capacita, faz cursos, mas parece que os alunos estão lá só por obrigação", conta. Desde 2001 lecionando em turmas do 6º ao 9º ano, ela tem notado jovens mais impetuosos e contestadores das ordens que dá. "O que me ameaçou tinha 15 anos e era uma pessoa difícil, já tinha quebrado o braço da mãe".
Fatos semelhantes ocorrem até numa cidade pequena como Monsenhor Tabosa, no sertão cearense. Lá, a professora Alana (nome fictício) também viveu momentos delicados. "Eu tinha um aluno de 13 anos que era usuário de drogas. Ele queria sair para usar e eu disse que não. Então, ele pegou uma cadeira para jogar em mim, mas os colegas dele impediram. Fiquei bem nervosa", lembra. Depois do episódio, a professora pediu transferência da série. Contudo, mais recentemente, um estudante de apenas 6 anos cuspiu no rosto dela. O motivo? Não queria realizar a tarefa. "Foi constrangedor", sentencia.
A dimensão real do problema, porém, é desconhecida. A Secretaria Estadual da Educação (Seduc) não dispõe de relatório sobre casos de violência contra professores nas 715 escolas da rede pública estadual. Tampouco o Sindicato dos Professores e Servidores da Educação e Cultura do Estado e Municípios do Ceará (Apeoc) possui dados sobre a matéria. Mas, segundo o presidente do Conselho Estadual de Educação (CEE), padre Zé Linhares, embora não haja estatísticas definidas, uma média de 10 a 15 denúncias de violência contra professores é informada ao órgão semestralmente.
Conforme Linhares, a região mais afetada é a Capital. As ocorrências chegam através da Ouvidoria do CEE e, dependendo da situação, o professor pode ser remanejado de turno ou de estabelecimento, passar por acompanhamento psicológico, fazer um curso de reciclagem ou participar de mediações com o agressor e a família dele. Contudo, o presidente alerta para a necessidade de se implementarem conselhos municipais, já que o CEE, sozinho, pode não dar conta da análise de todos os casos das cerca de 8,7 mil escolas públicas e particulares de todo o Estado.
Tendência
Dos 10.484 professores cearenses questionados por uma enquete qualitativa da Prova Brasil 2015, divulgada neste ano, 187 relataram ter sido "vítimas de atentado à vida" na escola. Mais 831 declararam ameaças de alunos. Além disso, 4.571 (44%) disseram ter conhecimento de agressões verbais ou físicas de alunos contra outros professores e funcionários da escola.
Houve ainda 1.085 relatos de docentes com alunos frequentando aulas sob efeitos de drogas ilícitas, além de 98 com alunos portando armas de fogo. O vice-presidente do Sindicato Apeoc, Reginaldo Pinheiro, reconhece que as agressões existem, mas muitos professores resistem em fazer o Boletim de Ocorrência por medo de represálias, uma vez que, na maioria dos casos, os conflitos se desdobram em comunidades ligadas ao tráfico de drogas. "A atitude do profissional fica muito na resignação. Eles têm a sensação de que aquilo não vai levar a lugar nenhum", diz.
Pinheiro defende que a escola não pode ser responsabilizada por toda a formação dos estudantes, sendo necessário o apoio institucional do Estado e dos municípios para financiar ações de enfrentamento à violência. Enquanto isso, os educadores sofrem com doenças socioemocionais causadas pela sensação de insegurança e pelo estresse, que, segundo o vice-presidente, são os principais motivos de afastamento da função. O Diário do Nordeste solicitou dados de licenças médicas de professores à Secretaria do Planejamento e Gestão, mas não obteve retorno até o fechamento desta edição.
Motivações
Para o psicopedagogo Harley Gomes, mestre em Políticas Públicas e Sociedade pela Universidade Estadual do Ceará (Uece), o conflito geracional é um dos possíveis catalisadores de agressões no ambiente escolar porque, com a organização de novas configurações sociais e comportamentos, a reverenciada autoridade do professor de décadas passadas parece ter perdido força.
"Há uma nova geração que questiona, que não aceita algumas normas e valores impostos. Se a criança se comporta diferente, isso exige do professor uma nova atuação, e, quando o profissional não está capacitado ou não busca estar de acordo com essas mudanças, emergem esses conflitos", explica.
Segundo o pesquisador, que investigou relatos de violência numa escola de General Sampaio, a 130 km da Capital, também chama a atenção que algumas crianças e adolescentes considerem certos atos agressivos não como violência, mas como "brincadeira" - ainda que de mau gosto. Noutros casos, analisa, os arroubos violentos podem surgir como forma de revidar o bullying sofrido e velado.
É preciso trabalhar a violência de forma pedagógica, segundo Harley, com diálogos, rodas de conversa, pesquisas e atividades junto aos alunos, bem como pela parceria da família no cotidiano escolar. "Ter uma cultura de paz não significa não termos atos violentos, mas sim ressignificá-los pela conversa e pelo conhecimento do que a violência pode causar para vítima e agressor", propõe.
Em nota, a Seduc afirmou que busca "garantir o direito dos alunos a uma boa escolarização" com oportunidades de estágios, qualificação profissional e desenvolvimento de habilidades de pesquisa científica, artístico-culturais e esportivas, no intuito de agregar "valores ao projeto de vida dos adolescentes e jovens que hoje ingressam na rede pública estadual de ensino".
Fique por dentro
Projetos tentam instaurar cultura de mediação
Dentre as ações implementadas pela Secretaria da Educação, há o Projeto Professor Diretor de Turma, em que um docente acompanha todo o desempenho escolar de uma turma até o fim da escolarização; o Seminário Estadual "Escola, Espaço de Reflexão"; o projeto "Mediação Escolar", desenvolvido em quatro escolas de Fortaleza; a parceria entre professores e psicólogos escolares; e o Núcleo de Trabalho, Pesquisa e Prática Social (NTPPS), disciplina incluída no currículo das turmas de ensino médio das escolas de tempo integral.
Na 1ª série do Ensino Médio, os alunos realizam trabalhos científicos sobre a família e a escola, acerca de temáticas como gravidez na adolescência, consumo de álcool e drogas e bullying. Já na 2ª série, o foco de estudo é a comunidade, estendendo as pesquisas para temas como história local, o comércio do bairro e a preservação do meio ambiente.
Por fim, na 3ª série do Ensino Médio, os temas de pesquisa devem ser relacionados ao mundo do trabalho.
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