CARLOS ALBERTO ALBUQUERQUERESPONSÁVEL PELO BLOG CONEXÃO REGIONAL

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sábado, 25 de fevereiro de 2017

Invisíveis diante da lei





No Ceará, cerca de 9.800 crianças de até 12 anos não possuem registro civil, um documento de extrema importância para garantir os direitos de todo cidadão
00:00 · 11.02.2017 / atualizado às 16:12 · 12.02.2017

Casos de crianças e adultos sem o registro civil de nascimento ainda persistem no Ceará. Estima-se, segundo o juiz auxiliar da Corregedoria Geral da Justiça do Ceará, Demétrio Saker Neto, que em torno de 9.800 crianças cearenses, com idade até 12 anos, continuam sem acesso a esse documento.

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No Brasil, relatório do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), divulgado em 2015, mostra que apenas 1% das crianças não receberam a certidão de nascimento no primeiro ano de vida, confirmando a erradicação do sub-registro civil de nascimento no País. Apesar desses avanços, duas regiões brasileiras ainda apresentam alta defasagem: Norte, onde 12,5% não foram registrados, e a Nordeste, com 11,9%.

Segundo o juiz, que até janeiro deste ano coordenou, no Ceará, o Programa de Erradicação do Sub-Registro Civil de Nascimento, idealizado pela Corregedoria Nacional de Justiça, este documento é de extrema importância como garantia de cidadania. “A partir dele, é possível promover a proteção contra o tráfico de crianças, coibir a exploração do trabalho infantil, garantir acesso à saúde, entre outros benefícios que o cidadão tem direito”, explica.

O exemplo de Vitória representa bem esta realidade. Desde o nascimento, há 17 anos, viveu sem qualquer documento. Amparada pela lei, conseguiu ingressar na escola pública e concluir o ensino fundamental. Mas foi impedida de fazer a matrícula para o ensino médio. Parou de estudar por três anos e também não teve acesso à saúde pública quando mais precisou. Apesar das perdas, Vitória encontrou forças para lutar por seus direitos e obter o documento que comprova a sua existência (veja box ao lado).

Vulnerabilidade social

Entretanto, o caminho para se obter o registro civil de nascimento pode ser longo e árduo. No caso da Vitória levou quase um ano de buscas e de espera. Quem acompanhou todo o processo foi o educador social da ONG Visão Mundial Manoel Santana, que também integra o Comitê Gestor Municipal de Políticas de Erradicação do Sub-Registro Civil de Nascimento e Ampliação do Acesso à Documentação Básica. Mesmo com os avanços, Manoel aponta alguns entraves, dentre eles a burocracia.

“Os casos geralmente são bastante complexos. Trabalhamos com uma parcela da população de extrema vulnerabilidade social. Para obtermos êxito, peregrinamos por 11 cartórios de Fortaleza, corremos contra o tempo e, muitas vezes, voltamos à estaca zero. Tem casos que levam mais de um ano para serem solucionados”, destaca Manoel.

Serviços interligados

Para os pais dos bebês nascidos em maternidades a partir do ano de 2013, os trâmites do registro ficaram mais acessíveis. Desde então, já foram emitidas, em todo o Ceará, 50.300 certidões de nascimento, geradas nas próprias unidades de saúde onde o parto foi realizado.

Para isso, está sendo utilizado um sistema informatizado que interliga maternidades e cartórios de registro civil. A ação também integra o Programa de Erradicação do Sub-registro Civil de Nascimento, coordenado pela Corregedoria Geral da Justiça do Ceará.

O objetivo desse programa, implantado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), é diminuir o número de pessoas sem registro civil e garantir que o documento seja emitido antes de o recém-nascido receber alta hospitalar.

No Ceará, o serviço está disponível em maternidades do Interior do estado e da Capital, a exemplo da Gastroclínica, Unimed, Antônio Prudente, Hospital Geral de Fortaleza (HGF) e Hospital Geral Dr. César Cals de Oliveira.

Com a certidão, é possível obter todos os documentos civis, além de promover o acesso aos benefícios governamentais. Sem o registro civil, o indivíduo não tem direito nem mesmo às primeiras vacinas, o que pode gerar problemas ainda maiores. O registro é gratuito para todas as idades, inclusive para os adultos.

Comitê

Em 2015, Fortaleza somava 6.509 crianças sem o registro civil de nascimento, conforme dados da Visão Mundial. Somente no Conjunto Palmeiras, na periferia da Capital, estima-se em torno de 300 crianças em situação semelhante. Em dois anos de trabalhos, 43 casos de sub-registro civil de nascimento foram solucionados, e cerca de 20 estão com o processo em andamento.

Para atender à demanda de forma mais ágil e organizada, a Prefeitura de Fortaleza instituiu, por meio do decreto 13.931, o Comitê Gestor Municipal de Políticas de Erradicação do Sub-Registro Civil de Nascimento e Ampliação do Acesso à Documentação Básica.

“O comitê foi de fundamental importância, pois conseguimos unir forças e instituições em defesa de uma grande causa que é alcançar todas as pessoas que ainda não têm o Registro Civil de Nascimento”, reforça Yáscara de Medeiros, representante da Secretaria de Educação do Município de Fortaleza no Comitê. Ela ressalta que a iniciativa garantirá um direito básico dos cidadãos que, diante de tantas diferenças e vulnerabilidades sociais, ainda não é a realidade para todos.

Enquanto educador social e membro do Comitê, Manoel Santana diz que continuará lutando para que todos possam ter o acesso ao registro civil de nascimento. Entretanto, deseja que os processos se tornem menos burocráticos e que o poder público consiga resolver estas questões, pois é responsabilidade dele.

“Não podemos permitir mais que uma criança com diagnóstico de hanseníase, por exemplo, continue sem o tratamento adequado porque está aguardando o registro civil”, compara.

Segundo Manoel, a falta de informação também atrapalha o processo. Ele alerta que as escolas não podem impedir a matrícula devido à inexistência do documento, mas a maioria dos pais desconhece essa legislação.

O educador social ressalta que um problema sempre gera outro. Além da falta de registro, a criança não vai estudar. Por outro lado, ele acredita que com a implantação do comitê todos poderão somar forças e dividir suas expertises.

O Comitê conta com a participação de organizações governamentais a exemplo da Fundação da Criança e da Família Cidadã (Funci), da Secretaria Municipal de Trabalho e Desenvolvimento Social (Setra), bem como de organizações sociais (Visão Mundial, Reajan, Unicef, Fórum DCA, Renas), lideranças da Igreja de Cristo e Igreja Cristã Internacional, representando o grupo de pastores do Jangurussu.

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