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segunda-feira, 20 de maio de 2024

Contas públicas no vermelho e desafio do endividamento põem em xeque Lei de Responsabilidade Fiscal


LRF, que foi chamada de ‘AI-5 fiscal’ na época em que foi apresentada, completa 24 anos com diversos obstáculos pela frente, após período com resultados positivos


Por Daniel Weterman

BRASÍLIA - Aos 24 anos, a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) está em xeque com os consecutivos resultados negativos das contas públicas. Depois de 14 anos no azul, desde a criação da lei em 2000, as contas do governo federal foram parar no negativo em 2014, justamente no ano em que houve a primeira grande alteração para refinanciar a dívida dos Estados e municípios. De lá para cá, os gastos ainda não voltaram para a superfície de forma sustentável. O governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) estipulou a meta de zerar o déficit em 2024, mas ainda admite resultados negativos até o fim do mandato.

O projeto de criação da lei enfrentou forte oposição no País. Em julho de 1999, por exemplo, o então prefeito de Belo Horizonte, Célio de Castro (PSB), chamou a LRF, proposta pelo governo Fernando Henrique Cardoso ao Congresso Nacional, de “AI-5 fiscal”, comparando o projeto ao Ato Institucional nº 5, baixado em 1969, o mais forte instrumento de poder da ditadura militar.

Foram várias as críticas de prefeitos, governadores e parlamentares, que se aproximavam de um ano eleitoral e temiam ter de cortar gastos e comprometer a campanha municipal. O próprio relator na Câmara, o deputado Pedro Novais (PMDB-MA), dizia que a proposta era “muito malfeita” e que serviria para enquadrar “pequenos funcionários e prefeitos miseráveis”.



A LRF foi aprovada, promulgada no dia 4 de maio de 2000 e completou 24 anos neste mês. A mudança deu início a um período com resultados positivos para as contas públicas, queda de endividamento dos Estados e maior transparência sobre os gastos dos municípios, mas o Brasil voltou a ficar com as contas no vermelho e ainda enfrenta o desafio de controlar a dívida pública.

Gastando mais do que arrecada, o governo precisa se endividar para bancar os serviços públicos e fazer investimentos. A LRF obriga o poder público a perseguir metas para equilibrar as contas e o endividamento. No ano passado, o governo federal gastou R$ 230,5 bilhões a mais do que arrecadou, sem contar as despesas com juros. A dívida bruta do governo geral, que reúne União, Estados e municípios, atingiu 75,7% do PIB em março deste ano, impondo um desafio para a estabilização.


Uma das autoras da LRF, a economista Selene Peres Peres Nunes afirma que o arcabouço fiscal desenhado pelo governo Lula tira a credibilidade da legislação ao estabelecer uma meta de resultado primário (receitas e despesas) com intervalos de tolerância que, na prática, jogam os esforços para baixo. Em 2024 e 2025, a meta do governo é zerar o déficit público, mas ainda há uma tolerância de déficit equivalente a 0,25% do Produto Interno Bruto (PIB).


A meta que admite somente resultados positivos foi adiada para 2027, depois do mandato atual do presidente Lula. “Na prática, se você estabelece uma banda, a sua meta para valer vai ser a banda inferior porque é ela que dispara os mecanismos da LRF (como a necessidade de bloquear despesas)”, diz Selene, assessora econômica do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão durante a elaboração da lei e atual secretária de Economia de Goiás.

O Brasil também enfrenta um cenário de queda dos investimentos públicos. E a queda se intensificou depois de 2014, coincidindo com o início do déficit fiscal e as mudanças na LRF. Em 2010, o investimento público totalizou 1,15% do PIB. Em 2014, 0,99%. No ano passado, caiu para 0,54% e com um componente a mais: um terço do valor foi capturado por emendas parlamentares, que se traduzem em projetos paroquiais e sem vinculação com projetos de desenvolvimento nacional.

Dívida dos Estados cai, mas Rio de Janeiro, Rio Grane do Sul e Minas Gerais estão em alerta

Nos Estados, houve queda do endividamento. Quando a LRF foi aprovada, 17 Estados tinham dívidas maiores do que suas arrecadações. Hoje, são quatro (Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Minas Gerais e São Paulo). No total, a dívida dos governos regionais caiu de 73% da receita corrente líquida em 2016 para 31% em 2022, de acordo com dados do Tesouro Nacional. Três Estados, porém, estão em alerta maior: Rio de Janeiro, com dívida de 188%, Rio Grande do Sul (185%) e Minas Gerais (168%).

A LRF não admite um endividamento superior a 200% da arrecadação, o que tem levado os governos estaduais a rodadas de negociação com a União, o principal credor dos débitos. “Às vezes a gente dá três passinhos para a frente, mas dá um passinho para trás porque a nossa resistência em avançar e aceitar que as contas públicas têm de ser equilibradas é muito grande”, diz Selene Peres Nunes.

Desde a promulgação da lei, a LRF passou por oito governos diferentes (FHC 2, Lula 1, Lula 2, Dilma 1, Dilma 2, Temer, Bolsonaro e Lula 3) e por mudanças no regramento fiscal, incluindo o teto de gastos públicos, o orçamento de guerra da pandemia de covid-19 e agora o novo arcabouço fiscal. Nos Estados e municípios, porém, é a LRF que permanece como a referência para os gestores públicos.

A lei fixou o limite de despesas do poder público com funcionários: 50% da receita corrente líquida na União e 60% nos Estados e municípios. Na época da votação, 15 Estados estouravam o teto e não havia sequer dados sobre outras 10 unidades da federação. Em 2023, apenas dois ficaram acima do limite: Rio Grande do Norte e Minas Gerais, sem considerar os que descumpriram os limites individuais de cada Poder.


A presidente da Associação da Auditoria de Controle Externo do Tribunal de Contas da União (TCU), Lucieni Pereira, aponta um problema na verificação dos gastos: cada vez mais governos locais vêm burlando a LRF por meio da contratação de serviços e terceirizados para realizar as atividades da administração pública, escapando dos limites. “O equilíbrio fiscal ainda não é um valor na sociedade”, diz.

Uma pesquisa da Confederação Nacional dos Municípios (CNM) identificou que 35,4% das prefeituras brasileiras contratavam organizações sociais para prestação de serviços em 2022. Desse universo, 40% dos municípios registravam apenas 10% desses gastos como despesas de pessoal e 42,3% não sabiam que parte correspondia a gastos com pessoal, evidenciando que a maioria dos valores não estava sendo registrada nos limites da LRF.

Para a auditora do TCU, o cenário de burla aos limites da Lei de Responsabilidade Fiscal se soma aos constantes resultados negativos das contas públicas nacionais, ao endividamento dos governos locais, com rodadas atrás de rodadas de refinanciamento por parte da União, e à queda dos investimentos públicos. “É uma tempestade perfeita sobre as finanças públicas, e ainda com o Judiciário com a visão de que a União tem de assumir todas as obrigações de Estados e municípios”, diz Lucieni.

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