CARLOS ALBERTO ALBUQUERQUERESPONSÁVEL PELO BLOG CONEXÃO REGIONAL

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quinta-feira, 6 de março de 2014

Coluna do Braz, para o Jornal Conexão Regional

       
                          Estranha intoxicação...

Tia Rosa, esposa de tio Israel Cortez, primos entre si, residiu por muito tempo em uma propriedade rural, que em homenagem a  sua  localização chamava-se “Alto”. Ficava próxima a Campos Sales, tanto assim que da calçada da casa sede, enxergava-se as horas no recém instalado relógio da Igreja. Ambos  filhos de italianos, provindos de Salermo, sul da Itália. Fiéis   às suas origens, conservavam o  extremo gosto pela comida. Ela, Tia Rosa Cortez, mais ainda. Ela própria se encarregava da engorda dos leitões, patos, perus e frangos. Estes, no tempo certo, eram levados à tesoura amolada da comadre Vicência, a nossa “Mada”,  para extração das glândulas de macho, quando , então, emasculados e presos em um chiqueiro, passariam a cuidar somente de  comer e engordar.  Em poucos dias estavam  quase sem caminhar, moles de gordos e prontos para o abate.
Eximia cozinheira, não abdicava do direito e dever de cozinhar. Suas iguarias guardavam o gosto próprio de um tempero exclusivo, que ela própria preparava, com  o  maior gosto e  disposição. N’outro não sei,  mas nesse mister, jamais se cansava. Antes  mesmo de concluir o almoço, já planejava o jantar.
O dia de feira em Campos Sales, naquela época, e ainda hoje perdura, é a oportunidade para o encontro dos campesinos com os amigos da urbe.  Tia Rosa não faltava. Era presença certa, não só para o “papo” mas para o necessário reabastecimento da cozinha. Baixa, bonita, olhos esverdeados e vivos, gorda, bonachona e  sempre bem humorada, brincava descontraidamente com todos.Encarnava a típica  matrona italiana.
A conversa era uma só –  resenha detalhada dos pratos consumidos durante a semana.
A sua  primeira  parada ocorria no açougue  público. Entre as gargalhadas de Celerino e Caçula e o  mau humor de Zé de Emilia, enchia o cesto fabricado artesanalmente de cipó, conduzido por um dos seus inúmeros filhos,  de “pesadas” de carne,  escolhida  das partes mais gordas do boi.
Campos Sales, ainda muito pequena, mantinha aquele clima de irmandade entre os descendentes dos seus  fundadores.- três ou quatro famílias, dentre elas, a Cortez, cuja  origem propiciou o seu primeiro e  sugestivo nome de Nova Roma,- se encarregaram  da sua formação. A convivência social era  harmônica, despretensiosa, sem ambição.   Raimundo Figueiredo, um deles, titular do único Cartório da cidade, adquirido  junto ao meu tio Jacob Cortez,  era pessoa extremamente espirituosa. Da estória mais simples e comum, do acontecimento mais vulgar, da cena mais pueril, transformava, ao narrar, com graça própria, e tempero de exagero,  em fatos interessantíssimos, arrancando risos de todos e recheando cada vez mais o seu já farto repertório de anedotas.
Passos rápidos e curtos, característica da família,  entra o Seu Raimundo, num dia de segunda feira, por volta das 09 horas, no seu Cartório. Percorrendo com os olhos todo o ambiente como quem procura algo sem lá ter deixado, é logo interpelado por Dona Luiza, sua esposa ,então, envolvida  com um monte de  papéis – O que procuras Raimundo?. – O Santu, não está por aqui ? – indagou (Santu era um oficial de justiça, que sempre estava pronto para qualquer recado). E antes que a  esposa ocupada, falasse – Quando ele chegar mande comprar urgente um envelope de  alka selzer. – E prosseguindo: estou  indo pra casa,  em busca de um chá de marcela com folha de mamão. Surpreendida, largando os papéis sobre o balcão, a sua  mulher perguntou preocupada – O que comestes tanto que estás desse modo?. E Raimundo Figueiredo, voltando um pouco, levantando levemente a camisa e com a mão direita pousada sobre o fígado, respondeu. – Não comi e nem precisou comer nada – E com convicção prosseguiu – Não é Luiza que acabei de me encontrar com Rosa de “Rael”, ali na feira. – Sim,  e daí, o que tem Rosa  a ver com essa sua  intoxicação?- emendou Dona Luiza. –Ah, eu não lhe conto, continuou o  “doente”, forçando um arroto e  com um gesto de quem está prestes a  vomitar –... Rosa, foi me relatar da gordura de um capão cevado  que havia   comido, com pirão de farinha,  no jantar de ontem. Sabe Luiza, ela minunciou  tanto, falou com tanto realismo, reviveu tanto o fato,  que acabei sentindo o gosto amargo de saliva em minha boca , numa inusitada  reação do meu fígado. Mas, até que estava agüentando – continuou -, quando em dado momento, porém, não me contive. Foi quando após toda a estória, ela  tomando gosto como se estivesse saboreando a iguaria naquele instante, fulminou dizendo que o pirão  ainda não estava como ela  pretendia. E então lhe perguntei – Como?  E ela Luiza, rindo, arrematou – não estava minando gordura...! e aí Raimundo, coloquei meia garrafa de manteiga da terra! - Nisso Luiza, eu já passando mal, olhei de lado, procurando um lugar para cuspir, quando dei com um desconhecido, que se  interessando pela conversa, parara para escutá-la. Escorria da boca  semi- aberta do estranho,  dois longos filetes de gordura. De gordura pura, Luiza!!!!

Braz Cortez
10.03.14

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