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terça-feira, 30 de maio de 2023

'Pior que alcoolismo': o impacto do autoplay na saúde mental de crianças e adultos



Recursos de rolagem infinita do feed e reprodução automática de vídeos encorajam e aprofundam comportamentos viciantes nas redes sociais


Por Giulia Vidale — São Paulo

Recursos das redes sociais criados para encorajar comportamentos viciantes estão na mira de legisladores. Foto: Freepik Freepik



Atire a primeira pedra quem nunca ficou rolando o feed do Instagram por horas antes de dormir ou perdeu a noção do tempo nos intermináveis vídeos do Reels ou do TikTok. A verdade é que o objetivo dessas ferramentas é justamente esse: fazer com que os usuários fiquem cada vez mais tempo conectados.


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“A Big Tech adotou o vício como modelo de negócios. Sua ‘inovação’ não é projetada para criar produtos melhores, mas para chamar a atenção usando truques psicológicos que tornam impossível desviar o olhar. É hora de esperar mais e melhor do Vale do Silício”, disse o senador republicano Josh Hawley, em uma publicação no Twitter em 2019, quando introduziu a proposta de lei Social Media Addiction Reduction Technology (Smart) Act que mira em técnicas e recursos criados para encorajar e aprofundar comportamentos viciantes nas redes sociais.


São eles: rolagem infinita ou recarga automática dos feeds das redes sociais; o autoplay ou reprodução automática de vídeos; distintivos e outros prêmios vinculados ao engajamento com a plataforma, como os emblemas do Snapstreak, que marcam quanto tempo amigos trocam mensagens diárias.


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Esses recursos estão tão intrínsecos no nosso dia a dia que nem nos damos conta do quanto são prejudiciais. Mas a verdade é que vemos uma sociedade completamente viciada em vídeos que rodam automaticamente e timelines infinitas, quase impossíveis de fechar.


Há muitas décadas pesquisadores investigam o vício comportamental, aquele que não envolve o consumo de algum tipo de substância, e sua relação com a internet. Está cada vez mais claro que o uso de dispositivos digitais causa esse tipo de vício e isso pode ser fortemente impulsionado pelas redes sociais. Um estudo do Instituto Delete - Detox Digital e Uso Consciente de Tecnologias, do Instituto de Psiquiatria da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), indicou que 7 em cada 10 pessoas apresentam uso abusivo de telas e 3 em cada 10 pessoas apresenta um uso abusivo patológico dependente.


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— Já é algo maior que alcoolismo, por exemplo — ressalta Eduardo Guedes, pesquisador do Instituto Delete.


A dopamina é o principal químico envolvido na formação de vícios. Estudos mostram que as mídias sociais agem no cérebro de maneira semelhante ao álcool e às drogas, gerando uma descarga de hormônios do prazer, dopamina e endorfina, que não pode ser sustentado no médio prazo, o que estimula a pessoa a ficar conectada para obter essa sensação prazerosa.


— Em particular, as mídias sociais têm um mecanismo de recompensa e engajamento que levam a essa sensação de autossatisfação associada ao hormônio do prazer — avalia Guedes.


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Nas redes sociais, quem decide qual publicação ou vídeo aparece na timeline de um usuário não é o indivíduo, mas um algoritmo de inteligência artificial que seleciona os conteúdos que podem ser mais interessantes e apelativos para o usuário. O professor de neurologia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) Li Li Min, pesquisador do Instituto Brasileiro de Neurociências e Neurotecnologia (Cepid - Brainn), explica que, na maioria das vezes, são conteúdos com alto apelo emocional pois é isso o que prende o usuário na rede.


— Muitas vezes, a pessoa nem termina de ver o vídeo, por mais curto que ele seja. Ela já pula para o próximo porque ela não está atrás do conteúdo, mas de uma experiência prazerosa porque o conteúdo da imagem e do vídeo tem inúmeras informações que estimulam o usuário de alguma maneira para dar essa sensação de prazer.


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Embora muitas vezes essa seja uma atividade “automática”, que fazemos de forma inconsciente, segundo especialistas, ela está longe de ser passiva.



— Mesmo que a pessoa esteja usando as redes sociais de maneira automatizada, esse conteúdo representa um bombardeio de informações ao cérebro, que reage a isso de forma contínua — explica Min.


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E isso pode trazer consequências negativas para a saúde física, mental e cognitiva.


— Vemos uma correlação muito grande à hiperexposição de tela com transtornos primários de ansiedade e o autoplay é um recurso das redes sociais que gera essa hiperestimulação da atenção porque a pessoa fica conectada o tempo inteiro. Isso gera uma percepção alterada de tempo e, em especial se ocorrer a noite, pode gerar privação de sono. É o que chamamos de sonambulismo digital — alerta Guedes.


Como se não bastasse o estímulo gerado, o uso de telas antes de dormir atrapalha o sono devido à luminosidade emitida pelo dispositivo, que desregula o ritmo biológico.


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— Evidências mostram que uma hora de tela no período noturno chega a reduzir em cerca de 20% a melatonina. Isso se traduz em um sono entrecortado, que não atinge os níveis necessários para produzir a higiene entre as células. Também atrapalha a consolidação de memórias e de funções fisiológicas que ocorrem durante o sono, como a liberação do hormônio de crescimento — diz Cristiano Nabuco de Abreu, coordenador do Grupo de Dependências Tecnológicas do IPq - Instituto de Psiquiatria do HC.


A hiperexposição à tela também pode causar prejuízos às relações familiares, isolamento, perda de rendimento no trabalho e nos estudos, depressão, ansiedade, além de alterações no processamento cognitivo, a forma como o cérebro realiza operações.


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A saúde mental é uma das mais afetadas pelas redes sociais e suas ferramentas abusivas. A alta exposição e comparação com um retrato perfeito das vidas alheias pode criar quadros de transtornos psicológicos, especialmente entre aqueles que já são mais propensos, o que também afeta o funcionamento do cérebro. Além dos transtornos ligados à autoestima, as redes podem exacerbar quadros de ansiedade por acostumarem o cérebro a um ritmo diferente daquele do mundo real.


Em geral, isso também está muito associado ao fato de não sermos responsáveis pelo conteúdo que consumimos. Quem escolhe é o algoritmo e nada impede que ele bombardeie os usuários com conteúdo violento, perturbador e extremista.


Nabuco também alerta para mudanças na forma do processamento cognitivo.


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— Temos algumas operações mentais importantes, como o pensamento criativo e o associativo. Com a tela, apenas uma operação mental está sendo estimulada. Conforme o tempo passa, essa função se torna muito habilidosa, mas as outras que seriam vitais para a do indivíduo vida começam a ser perdidas devido ao processo de poda neuronal que “desliga” os circuitos que não são interessantes para lidar com o entorno.


Além de nos viciar e tirar nosso poder de escolha, o mecanismo de funcionamento das redes sociais, com vídeos e informações curtas e dinâmicas está alterando nossa capacidade de atenção. Um filme ou o episódio de uma série são longos demais. Livros são sem graça. Textão? Nem pensar.


Alguns estudos mostram que isso não é apenas uma impressão. Nosso nível atencional diminuiu. Conseguimos ficar menos tempo retido em uma informação e as redes sociais podem desempenhar um fator crucial nessa tendência.


— Vivemos uma epidemia da distração. As pessoas não conseguem mais focar a atenção porque isso exige uma quietude da mente e a partir do momento que a pessoa tem um celular sempre ao lado, o estímulo é contínuo.



Estudo publicado no periódico Journal of the Association for Consumer Research mostrou que a mera presença do celular reduz a capacidade cognitiva disponível.


Como avaliar se seu uso é abusivo?


A dependência de telas é silenciosa e praticamente invisível. Mas existem algumas pistas que podem indicar que o uso consciente está se tornando abusivo ou patológico. São elas: quando o tempo nas telas passa a ser a única fonte de prazer em detrimento das relações na vida real e a pessoa substitui o online pelo real; quando você passa a fazer tudo com o celular: é a primeira coisa que olha ao acordar, leva o celular para o banheiro ou usa no carro enquanto está dirigindo; não suporta a ideia de ficar em um lugar sem conexão com a internet; tem sintomas de abstinência ao ficar afastada do celular e das redes, como irritabilidade, mal humor e ansiedade e conflito nas relações pessoais entre familiares e amigos devido ao uso exagerado do celular.


Como controlar o uso das redes sociais


As redes sociais vieram para ficar. Então, é preciso aprender a usá-las de forma saudável e consciente. Para começar, a recomendação é ser mais seletivo em relação ao tipo de conteúdo consumido em vez de apenas se deixar levar pelo algoritmo.


Ter hábitos saudáveis, incluindo a prática de atividade física e colocar o sono como prioridade, ajuda a limitar o acesso ao celular e às redes sociais, em especial antes de dormir. Para o psiquiatra americano Daniel Lieberman, professor e vice-presidente para assuntos clínicos no departamento de Psiquiatria e Ciências Comportamentais da Universidade George Washington, coautor do livro “Dopamina: a molécula do desejo”, um detox rígido pode ter efeito no curto prazo, mas não durará. Em vez disso, para fazer mudanças em relação à liberação de dopamina durante o uso de redes sociais, ele recomenda definir um limite de tempo diário para o TikTok ou para o Instagram.


— Acho que fazer mudanças menores e de longo prazo é melhor do que desintoxicações dramáticas por apenas alguns dias — afirma.

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