SISTEMA FECOMÉRCIO CEARÁ

SISTEMA FECOMÉRCIO CEARÁ
SISTEMA FECOMÉRCIO CEARÁ 75 ANOS

quarta-feira, 16 de maio de 2012

Crônica: Vagem Solitária
As boiadas começaram a passar. Um vaqueiro na frente sinaliza para os veículos, outros três comandam a tropa, toda a estrada está ocupada. Os motoristas, impacientes, acionam as ‘buzinas’. O gado está de mudança. A água acabou. O pasto, o pouco que nasceu com os raros pingos que molharam o chão, esturricou-se. O pecuarista, sedento para salvar o seu rebanho, transporta-os em direção a outras terras. “Aluguei um cercado a aproximadamente 50 km do meu curral. Gastarei três dias para chegar ao destino final”. E a seca adentra-se, ainda no mês de maio, sem dó nem piedade. Uma ‘Vida Gemida em Sambambaia’ começa a se desenhar. O lago seco aponta que a água sumiu, ou simplesmente manteve-se com chão rachado desde o ano passado. “Seca, neste nível, nunca vi”, comenta um agricultor entristecido, desapontado. “Vendi o restinho do gado que tinha. Zé Cachoeira vai levar para o Maranhão e só vai me pagar no ano que vem nesta mesma época. Ou seja, um ano de prazo”, enfatiza cabisbaixo, um criador. O preço do gado magro, no máximo, e nessas condições de pagamento, não ultrapassa os 50% do valor real, caso a água tivesse penetrado a terra. O encontro com uma vagem solitária agarrada a um pé de feijão mostra o quanto a falta de água arrasou a lavoura. A poeira que sobe livre, soprada pelo vento e sob o testemunho do sol a pino, mostra o restante da plantação com folhas murchas, dissipadas em lágrimas salgadas; outras já sem vida, não há por quem esperar. A chuva não vem mais. Assim aponta o rosto decepcionado das vingas de melancia que nem sequer alcançaram a puberdade. Faltou alimento, o corpo desnutrido desmoronou-se e largou o galho que acompanha, ainda, algumas folhas amareladas. Em cinco tarefas plantadas, as sementes colhidas ocupa apenas uma embalagem de refrigerante, a soma de dois litros de feijão. O milho não chegou nem a ‘penduar’, quiçá encher as ‘bonecas’ com o caroço amarelado que acabaria assado na fornalha, cosido ou transformado em canjica na mesa do dono da roça e, mais tarde, seria semeado no terreiro para o bom alimento de porcos e galinhas. “Se não fosse o Bolsa Família, estaríamos mortos”. “E o dinheiro dos aposentados do INSS?! “Ainda bem que este é ano de política”. Nasce no olhar espantado do caboclo, a esperança corruptível do pleito eleitoral. Fragilizado ao estremo, vira churrasco na mesa farta dos carniceiros de plantão. “Lá em casa tem 4 pessoas com idade para votar. A Chiquinha completa 16 anos no mês que vem. Vou tirar o título dela também. Quem fizer o favor de me ajudar, recebe os votos na urna!”Essas poucas fontes de renda, a última do tipo: a situação faz o ladrão, fazem com que a fome se configure nas dimensões apresentadas por Graciliano Ramos, em Vidas Secas; Rachel de Queiroz, em O quinze; e nos poemas de João Cabral de Melo Neto, notáveis representantes que abrilhantam a talentosa geração de 30 e 45 do Modernismo brasileiro. “Vou trabalhar no ‘trecho’. Demóstenes prometeu de me empregar. Roça não dá. Estudar também não quero”. O pau de arara presente na Triste Partida, de Patativa do Assaré, imortalizada na voz de Luiz Gonzaga, o rei do baião, atende pelo nome de Itapemirim, Princesa do Agreste. “Tenho que chegar a tempo de embarcar. O voo estar marcado para as 5h30”. Enquanto isso, no romper da aurora, a poeira sobe ao céu. Vai ao encontro das nuvens ressecadas que habitam o infinito e o vaqueiro segue a sua sina de marchar tangendo o gado, tangendo a vida para as terras azuis. Francisco de Assis Sousa é professor de Língua Portuguesa e Literatura Brasileira no ensino fundamental em Vila Nova do Piauí e no ensino médio em São Julião-PI.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

PISO ENFERMAGEM: Gestores têm até quinta-feira (18) para atualizar cadastro dos profissionais de enfermagem

Fundo Nacional de Saúde (FNS) alterou data para melhor recebimento das informações Foto: Rafa Neddemeyer/Agência Brasil O prazo foi prorrog...