sábado, 26 de outubro de 2024
Rede cearense é a mais avançada das tecnologias da humanidade
Escrito por Xico Sá
Foto: Divulgação/CEDI Viva Criança
Xico Sá
No momento em que o Ministério da Educação debate o possível veto do aparelho celular nas escolas, vejo aqui uma imagem comovente de São Gonçalo do Amarante, na Região Metropolitana de Fortaleza. Dá pra sentir até a brisa do mar no rosto daquelas pequenas criaturas.
Deitadas em redes coloridas, com livros nas mãos, os meninos e meninas da creche pública municipal viajam nas histórias e estórias oferecidas na cidade cearense. Uma iniciativa tão simples, mas que pode significar uma experiência marcante na vida desses miúdos.
O balanço das “fiangas” embala a leitura e as brincadeiras da Creche Viva Criança, tema de reportagem de Theyse Viana aqui no Diário do Nordeste. É uma resposta digna e prática que bate todas as tentações das telas e outras bugigangas modernas.
Na aldeia dos Anacés, a mais avançada das tecnologias para a meninada é o projeto Redes do Saber. A invenção indígena brasileira, citada por Pero Vaz Caminha desde a invasão portuguesa de 1.500, segue mais lúdica e necessária do que nunca.
O gênio potiguar Câmara Cascudo, autor do clássico “Rede de Dormir — Uma pesquisa Etnográfica (Global Editora), aplaudiria de pé essa ideia do litoral do Ceará. A civilização nordestina, é bom que se diga, foi praticamente inventada no balanço da “mãe veia”, como os mais antigos chamavam suas redinhas.
O livro de Cascudo nos conta toda essa longa história, com passagens curiosas sobre o olhar estrangeiro. Repare as impressões de Jean Nieuhof, holandês que morou no Nordeste entre 1640 a 1649.
“Os brasileiros não possuem grande variedade de utensílios domésticos e seu maior cuidado é com a rede a que dão o nome de Ini”, descreveu. “Quando vão dormir, amarram a rede a duas traves de sua tenda, ou em duas árvores, ao ar livre, a certa altura do chão, para evitar os animais daninhos e as exalações pestíferas da terra”.
Para dormir, descansar, tirar uma sesta ou para o prazer da leitura, como a meninada de São Gonçalo do Amarante, estão para inventar um utensílio mais incrível e evoluído no planeta. Não existe. A rede cearense é imbatível.
Foi numa fianga que me tornei leitor. Um leitor improvável no Sítio das Cobras, no município de Santana do Cariri, já nas proximidades de Aratama. Um redário faz milagres.
Imagina se o doutor Sigmund Freud tivesse tido a sorte de conhecer esse utensílio com a marca estilosa do Nordeste. O divã teria sido trocado na hora. Em uma boa rede de Jaguaruana, a gente confessa as mais distantes lembranças encobridoras do fundo da alma.
*Esse texto reflete, exclusivamente, a opinião do autor.
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