Escrito por Erivania Bernardino Cruz
Legenda: Erivania Bernardino Cruz é membro da Comissão Especial de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente da OAB-CE
É recente a concepção societária de que crianças e adolescentes são sujeitos de direitos que devem dispor de absoluta prioridade no âmbito de sua proteção. A determinação legal inaugurada pela Constituição Federal de 1988, no artigo 227, compartilhou essa obrigação entre Família, Estado e Sociedade. No entanto, apesar da legislação clara, a realidade mostra que essas três instâncias ainda falham em garantir a proteção necessária.
O processo de colonização portuguesa no Brasil foi marcado pelo infanticídio indígena e pela economia escravista, revelando um histórico de desvalorização da vida infantil. Meninas portuguesas, as chamadas órfãs do Rei, eram enviadas ao Brasil para casarem-se com súditos da Coroa, enquanto crianças cativas eram submetidas ao trabalho precoce ou separadas das mães. Apenas em 1869, com o Decreto 1.695, foi proibida a separação de mães escravizadas de seus filhos menores de 15 anos, e, mais tarde, a Lei do Ventre Livre (1871) estabeleceu que crianças nascidas de mulheres escravizadas seriam “livres”.
Ainda hoje, vivemos as consequências de uma sociedade forjada pela violência contra nossas crianças. Dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2023 mostram que uma criança ou adolescente é vítima de estupro a cada 8 minutos e mais de 5 mil são assassinados por ano. Esses números são alarmantes e evidenciam a inaptidão de nossa sociedade em efetivar a proteção garantida na Constituição Federal de 1988 e na lei 8.069/90 (ECA).
Diante desse cenário, o Estado brasileiro traçou, por meio de legislações como a Lei Menino Bernardo (13.010/14), a Lei Henry Borel (14.344/22) e a Lei da Escuta Especializada (13.431/17), uma tríade de amparo às crianças e adolescentes vítimas ou testemunhas de violência. Essas normas buscam minimizar os danos causados por múltiplas formas de violência — física, psicológica, institucional, sexual ou patrimonial — e garantir uma resposta adequada.
É hora de conclamar a sociedade e as instituições a tornarem efetivas essas normas. Devemos preparar nossas escolas e a rede de proteção para identificar casos suspeitos, acolher a revelação espontânea de violência e assegurar que as crianças recebam atendimento especializado. Profissionais capacitados para a Escuta Especializada são fundamentais para que a vítima possa superar.
O melhor presente que podemos dar às nossas crianças é protegê-las. E, assim, cumprir a profecia do poeta Fernando Pessoa: “Olha-me rindo uma criança. E na minha alma madruga. Tenho razão, tenho esperança.”
Erivania Bernardino Cruz é membro da Comissão Especial de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente da OAB-CE
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