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terça-feira, 15 de outubro de 2024

Como envelhecer bem? Pesquisa revela impacto de finanças, saúde mental e até amizades na longevidade


O Indicador de Longevidade Pessoal (ILP), lançado nesta semana, analisa fatores como saúde física, mental e financeira
Escrito por Theyse Viana*
Legenda: Além do estilo de vida, relações interpessoais interferem no alcance de uma longevidade saudável, segundo pesquisa
Foto: José Leomar/SVM




O seu estilo de vida tem contribuído para uma velhice ativa? Se pudesse dar a ele uma nota de 0 a 100, qual seria? Uma pesquisa divulgada neste mês avaliou os hábitos e atitudes de brasileiros sobre envelhecer – e mostrou que saúde mental e finanças são os principais obstáculos para chegar bem à terceira idade.


O estudo analisou 1.058 pessoas de todas as regiões do Brasil, entre 6 e 13 de março de 2024, por meio do Indicador de Longevidade Pessoal (ILP): uma ferramenta que faz um “raio-x” dos aspectos que interferem no alcance de uma vida mais longa e com qualidade, por meio de perguntas respondidas pelos próprios usuários.

O ILP fornece uma espécie de “nota da longevidade” (veja como descobrir a sua, ao final desta publicação), de 0 a 100, e é composto por seis áreas da vida:Atitudes em relação à longevidade (20 pontos): conhecimento do conceito, importância atribuída à longevidade, aprendizagem e etarismo internalizado;
Saúde física (20 pontos): hábitos alimentares, prática de atividade física, consumo de álcool, tabagismo, qualidade do sono e da saúde;
Saúde mental (20 pontos): desfrutar a vida, lazer, sentimentos negativos autoestima, concentração nas tarefas cotidianas;
Interações sociais e meio ambiente (20 pontos): relações pessoais, apoio social, crenças, vida sexual e ambiente;
Cuidados de saúde e prevenção (10 pontos): satisfação com acesso a serviços de saúde, atitude de prevenção e cuidados preventivos;
Finanças (10 pontos): metas financeiras, controle de gastos, endividamento e planejamento para aposentadoria.

O indicador foi desenvolvido e aplicado entre os brasileiros pelo Instituto Locomotiva, em parceria com a Bradesco Seguros. Os resultados foram divulgados nesta semana, durante o XVII Fórum da Longevidade, em São Paulo (SP).

Jovens não estão preparados


Foto: Shutterstock



Um dos principais achados do indicador é, na verdade, um alerta: a expectativa de vida no Brasil aumentou, mas os jovens não estão prontos para viver mais. Eles obtiveram as menores pontuações no ILP em questões de saúde mental, relações sociais e prevenção em saúde.


Um a cada cinco entre os mais novos não está satisfeito com o apoio que recebe de amigos, por exemplo, e mais da metade só buscam atendimento médico quando têm algum problema de saúde – e não de forma preventiva.

Os mais velhos, por outro lado, “têm pontuação mais alta em atitudes relacionadas à longevidade (72), e apresentam nota maior que a média em finanças (51), saúde mental (61), interações sociais e meio ambiente (65) e cuidados de saúde e prevenção (69)”, segundo aborda o estudo.


80%
dos brasileiros associam a terceira idade a conceitos conservadores e religiosos, distanciando os mais jovens das atitudes necessárias para uma longevidade saudável.



João Paulo Cunha, cientista social e diretor de pesquisa quantitativa do Instituto Locomotiva, aponta que o ILP é um “instrumento de sensibilização” para mostrar como as possibilidades de envelhecer de forma ativa são atravessadas pelas desigualdades – “que afetam não só o presente, mas as oportunidades de atingir uma longevidade com qualidade”.


O pesquisador destaca que “mulheres, pessoas mais jovens e mais pobres têm os piores resultados em saúde mental”, por exemplo; que 1 a cada 4 pessoas afirma ter “sentimentos negativos” com frequência – e que 7 a cada 10 brasileiros não consideram ter oportunidades para realizar atividades de lazer.



Os mais jovens relatam mais experimentar sentimentos negativos como ansiedade e depressão no cotidiano. Além disso, estão menos preparados financeiramente para a longevidade. O ILP não só contradiz estereótipos sobre pessoas mais velhas, como traz um alerta muito grande sobre como os mais jovens estão se preparando.João Paulo Cunha
Diretor de pesquisa qualitativa do Instituto Locomotiva



O diretor de pesquisa pontua, ainda, que responder às perguntas do ILP é uma maneira de refletir e “diagnosticar” em quais áreas da vida é preciso melhorar hábitos e comportamentos em prol de um envelhecimento ativo e mais saudável.


“E que as pessoas retornem de tempos em tempos para refazer o teste, porque a nossa vida é dinâmica: em um momento a gente não consegue focar tanto na alimentação e no exercício, em outro não tem uma qualidade de sono tão boa. Que seja um instrumento permanente de reflexão sobre as nossas ações e o impacto delas na longevidade”, frisa.
Diferenças regionais do ‘envelhecer’


Foto: Helene Santos/SVM



Além de atitudes individuais, fatores externos também interferem nas possibilidades de envelhecer bem – aspectos culturais, regionais e de renda são exemplos disso, conforme destaca Alexandre Kalache, médico gerontólogo e consultor dos estudos para o ILP.


Sobre as diferenças entre envelhecer em uma ou outra região do Brasil, o especialista pontua que desigualdades históricas e estruturais influenciam diretamente na capacidade das populações de terem menores ou maiores Indicadores de Longevidade Pessoal.

“Dizem ‘ah, o Sul é uma maravilha!' Claro. São imigrantes que chegaram aqui com direito a terra e crédito, e os descendentes dos escravizados não. Não dá pra competir. A mão de obra importada para embranquecer o Brasil remontou em privilégios pros seus descendentes, enquanto os afrodescendentes ficaram de fora”, contextualiza Kalache.


Legenda: Médico gerontólogo Alexandre Kalache alerta para impacto das desigualdades regionais no envelhecimento
Foto: Divulgação/Fabio Salles



O médico avalia, ainda, que os abismos socioeconômicos não se manifestam apenas na dicotomia Sul x Nordeste.


“São questões regionais, mas também intraestaduais. Você encontra essas contradições nas periferias de uma cidade grande. Não precisa pegar o Nordeste e o Sul para perceber essas diferenças”, frisa o gerontólogo.

João Paulo Cunha, do Instituto Locomotiva, reconhece que “existem diferenças regionais importantes no ILP”, principalmente “em regiões com uma parcela maior da população mais vulnerável”. Ele destaca ainda que “a renda é uma fonte importante de acesso a bem-estar”, o que também se refletiu nos resultados do estudo.

“A pesquisa mostrou que pessoas de menor renda têm maior dificuldade de se alimentar com mais frequência de frutas, verduras e legumes, e acabam recorrendo a alimentos ultraprocessados. A falta de renda também priva a população de ter acesso à saúde”, pontua.


60%
dos brasileiros não têm reserva financeira para a aposentadoria. Entre as pessoas de menor renda, o número sobe para 78%.



Além do financeiro, o aspecto cultural também impede a população de lidar melhor (e de maneira mais saudável) com o envelhecimento.


“Se a gente aprendesse um pouco a ouvir e respeitar as culturas dos povos originários, dos afrobrasileiros; se não fôssemos tão eurocêntricos e racistas, poderíamos estar melhor preparados. Porque nessas culturas a presença do idoso, a sabedoria, o respeito que se dá a ela, são muito maiores”, critica Kalache.
Impacto das mudanças climáticas

Uma das perguntas que devem ser respondidas para obter a “nota da longevidade” por meio do ILP é: “como você se sente quando pensa em envelhecer?” A resposta, porém, se complica em tempos de incerteza sobre as futuras condições de vida do planeta.

O gerontólogo Alexandre Kalache cita as enchentes do Rio Grande do Sul, em maio deste ano, e a onda de poluição do ar em São Paulo, em setembro, como alertas de que as crianças e os idosos são os mais vulneráveis aos eventos climáticos extremos.


Legenda: Poluição após incêndio no Parque do Cocó, em Fortaleza, em 2021
Foto: Fabiane de Paula



“Você está vendo zonas de conflito, situações de terremotos, enchentes, tempestades de neve, seca. Quem sofre mais? Uma pessoa mais idosa, que já tem fragilidade no sistema respiratório. As partículas que você, mais jovem, consegue absorver e eliminar uma pessoa mais velha não consegue”, reforça o médico.


Kalache cita, ainda, os casos de pessoas idosas que vivem em áreas de risco, sem condições de mudar para outro local, passando a velhice ainda mais expostas aos efeitos danosos causados pelas mudanças climáticas.
O que fazer para envelhecer bem


Foto: Kid Júnior



No Ceará, hoje, quase 15% da população é idosa, taxa similar à do Brasil. Em 2050, a proporção nacional deve dobrar: quase 1 a cada 3 pessoas terá mais de 60 anos, como estima o gerontólogo Alexandre Kalache.


“Vamos ser um grande Japão daqui a 25 anos. E o Brasil não está preparado.” O especialista alerta que é preciso “políticas públicas adequadas, uma convenção internacional que cuide dos direitos dos idosos”.

O economista, escritor e professor Eduardo Gianetti, um dos palestrantes do 17º Fórum da Longevidade, projeta que “em 2070, seremos 37,8% acima de 60 anos”, e que a população jovem de hoje precisa adotar, já, uma série de atitudes para envelhecer bem.



O fato de a gente viver mais deve implicar em repensar toda a nossa trajetória. Quando a expectativa de vida era de 50 anos e você começava a fumar jovem, por exemplo, você morreria de outras causas antes do tabagismo. Mas se você vive 80-90-100 anos, um hábito adquirido aos 20 e poucos anos vai se materializar dramaticamente na piora da qualidade de vida quando você tiver 70-80.Eduardo Gianetti
Economista, autor e professor



Lygia Pereira, geneticista, pesquisadora e professora da Universidade Federal de São Paulo (USP), também alertou, em palestra no evento, que a genética não é determinista: o ambiente e as atitudes individuais moldam os fatores biológicos, de modo que “temos que fazer escolhas benéficas.

A cientista destaca que “o estilo de vida que a gente quer ter pode impactar a nossa saúde e a nossa longevidade”, e cita a prática de exercícios e de meditação, a boa alimentação e a renúncia ao consumo de álcool e ao tabagismo como medidas fundamentais – aliados, ainda, a fatores mais subjetivos.

“Já que a gente tem que fazer escolhas, com solidariedade, gratidão, relações de afeto, consciência ambiental e social, a humanidade como um todo poderá viver mais e melhor”, pondera Lygia.
Como calcular o seu ILP

O Indicador de Longevidade Pessoal pode ser medido por meio de um questionário disponibilizado pela Bradesco Seguros. Após as respostas sobre hábitos e atitudes de saúde, relações e finanças, o usuário terá acesso a uma pontuação de um “diagnóstico” do que precisa melhorar para envelhecer melhor.

O teste pode ser acesso por meio deste link, e tem duração média de 5 minutos.


Ao término, é disponibilizada uma cartilha com orientações sobre atitudes saudáveis em cada uma das áreas abrangidas pelo ILP.



*A repórter viajou a convite do evento.

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