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segunda-feira, 1 de julho de 2024

Real 30 anos: Por que o Brasil conseguir vencer a inflação e a Argentina ainda não?


Os dois países seguiram um roteiro parecido nos anos 1980 e 1990 com a implementação de planos de estabilização. Hoje, a realidade é completamente diferente nas duas economias; argentinos ainda lidam com uma inflação superior a 200% ao ano


Por Luiz Guilherme Gerbelli

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Argentina e Brasil seguiram um roteiro parecido no campo econômico ao longo das décadas de 1980 e 1990. Eram anos de redemocratização, demandas sociais reprimidas e inflação elevada. Foram vários os planos implementados pelos dois países para tentar estabilizar a economia e controlar a escalada de preços.

Hoje, porém, a situação da economia brasileira e argentina é bem diferente. No Brasil, a inflação está controlada - a preocupação é se o governo consegue entregar a meta prometida de 3% - e os desafios brasileiros passam por acelerar o crescimento, reduzir a desigualdade social e ajustar as contas públicas.

Na Argentina, a alta de preços ainda é o principal problema enfrentado pelo presidente Javier Milei, que tenta colocar de pé um plano radical numa economia completamente disfuncional. Em maio, no último dado divulgado, a inflação interanual do país marcou 276,4%.


“A trajetória de Brasil e Argentina foi parecida nos anos 1980 pelo lado negativo. Vários planos de estabilização fracassaram”, diz Fabio Giambiagi, pesquisador associado do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV/Ibre). “Nos anos 1990, foi parecida pelo lado positivo, porque os dois países apresentaram planos de estabilização aparentemente bem-sucedidos - o do Brasil veio a se revelar com o tempo, e o da Argentina durou alguns anos. A partir do começo dos anos 2000, são histórias completamente diferentes.”

Nos anos 1980, até conseguir controlar a inflação, o governo argentino lançou mão de três grandes programas de estabilização. No governo de Raúl Alfonsín, foram implementados o Plano Austral, em 1985, e o Plano Primavera, em 1988. Na gestão de Carlos Menem, em 1991, a aposta foi no plano de conversibilidade, aprovado pelo Congresso e que estipulou o valor de um peso para um dólar. Ainda que de forma momentânea, o plano conseguiu trazer uma estabilidade para os preços. De 1991 para 1992, por exemplo, a Argentina viu a inflação recuar de 92,57% para 17,8%.

O Brasil adotou cinco programas de estabilização até implementar o bem-sucedido Plano Real, o sexto desde a redemocratização. Antes, foram tentados os Planos Cruzado, Bresser, Verão, Collor e Collor II. “Se nós não estamos no ponto em que está a Argentina é por causa do Plano Real”, afirma Rubens Ricupero, ministro da Fazenda durante a implementação do real. Por que somos diferentes da Argentina? Porque temos moeda. Eles ainda têm de fazer todo esse esforço.”

Com o real, a inflação baixou de 2.477% em 1993 para 916,46 em 1994 (isso porque o real começou em 1º de julho de 1994). Dois anos depois, recuou para menor de dois dígitos, chegando a 1,65% em 1998.

Os caminhos de Argentina e Brasil eram tão parecidos que havia o chamado “efeito Orloff”, numa referência à peça publicitária da vodka Orloff, produzida na década de 1980. Nela, o ator principal se encontrava com o seu eu do amanhã e tinha de beber Orloff para não ter ressaca. No “efeito Orloff”, o Brasil era a Argentina do amanhã diante da repetição de medidas fracassadas.


Na Argentina, o congelamento havia sido tentado com o Plano Austral, em 1985. E foi repetido pelo Brasil no Plano Cruzado, em 1986, por exemplo.

Além do bem-sucedido Plano Real, a economia brasileira se vale de outras vantagens construídas ao longo dos últimos anos. Na Argentina, o dólar tem um peso relevante na dívida do país, o que não é verdade no caso brasileiro. E o Brasil conseguiu construir um Banco Central com alta reputação internacional.

Piora da Argentina

A situação da Argentina começou a se agravar no fim dos anos 1990, quando a conversibilidade entre peso e dólar foi se tornando insustentável diante das seguidas turbulências que atingiram as economias emergentes. As exportações argentinas perderam competitividade.

Com crises em vários países emergentes, os investidores ficaram mais seletivos e houve uma diminuição da oferta de dólares no mercado. Em 1999, o Brasil também precisou rever o seu regime de âncora cambial, que sustentava o real. Deixou o câmbio flutuar e adotou metas de superávit primário e inflação.

“Quando chega no final dos anos 1990, o Menem sai do governo e há uma sucessão de crises nos países emergentes, que vão machucando todo mundo. A economia desacelera fortemente, e o desemprego chega a bater em 25%”, afirma Livio Ribeiro, também pesquisador do FGV/Ibre.

Sucessor de Menem, Fernando de La Rua permaneceu apenas dois anos na presidência do país, saindo no fim de 2001, ano em que o país instituiu o ‘corralito’, o congelamento de depósitos bancários, e deu um calote no Fundo Monetário Internacional (FMI). Em 2001, o Produto Interno Bruto (PIB) recuou 4,4%. Em 2002, despencou 10,9%.

A crise econômica se somou a uma crise política sem precedentes. O ano de 2001 foi marcado por sucessivas trocas de presidente no país. Elas só cessaram com Eduardo Duhalde, que ficou no cargo até maio de 2003 e desvalorizou a moeda da Argentina.

A chegada dos Kirchners ao poder - primeiro, com Nestor, e, depois, com Cristina - marca um momento diferente da economia global. O mundo crescia de forma acelerada, os preços das commodities subiram. E, se antes faltavam dólares ao país, houve uma inversão de cenário. O país passou a registrar os chamados superávits gêmeos - nas contas públicas e no setor externo.


“Havia aquele contexto peculiar de economia mundial bombando, muita recuperação de receita. As despesas caíram por causa da inflação, e as importações despencaram por causa da recessão. Começa o boom de commodities, e a Argentina passa a exportar muito. Anos depois, tinha dólares sobrando e o déficit público tinha virado superávit”, afirma Giambiagi.

“Só que o ‘kirchnerismo’ sai gastando a rodo. E os superávits gêmeos viram déficits gêmeos”, acrescenta.

Com dinheiro sobrando, a administração Cristina se valeu de uma série de medidas populistas, como um sistema de controle de preços. Não havia a percepção de uma crise iminente, mas quem acompanhava a economia de perto sabia que as ações adotadas pelo governo eram insustentáveis.

“O governo da Cristina foi o populismo latino americano no seu estado mais puro”, afirma Livio. “Foram sucessivos programas de subsídios e transferência de renda.”

Em 2015, Mauricio Macri foi eleito com um discurso pró-mercado e de ajuste das contas públicas. Não conseguiu reduzir os subsídios integralmente, porque tinha pouco apoio político e, portanto, pouca margem de manobra para adotar medidas impopulares.

A segunda metade do seu mandato foi prejudicada pela crise da Turquia em 2018. Com pouquíssimas reservas, os investidores deixaram de financiar a Argentina, levando o governo a recorrer novamente ao FMI.

“A popularidade do Macri caiu 30% em 15 dias. E ele nunca se recuperou”, afirma Giambiagi. “A primeira metade do Macri é uma tentativa de fazer a coisa mais organizada, mas a segunda metade é populismo aberto, como se não soubesse se era a Cristina ou governo Macri”, acrescenta Livio.

Do impopular governo Macri, a Argentina vai para o mandato de Alberto Fernández, em que a crise se agrava e a inflação avança ainda mais. “É um governo acéfalo em que você espera acabar e cria as condições para a eleição de Milei”, diz Livio.

No governo Milei, inflação tem recuado, mas economia entrou em recessão técnica Foto: AP Foto/Farid Dumat Kelzi

Vencedor da eleição presidencial no fim do ano passado, o libertário Javier Milei foi eleito com um discurso radical. Prometeu acabar com o Banco Central e dolarizar a economia. No poder, adotou uma série de medidas de ajuste fiscal e conseguiu retomar o superávit das contas públicas. A inflação recuou. Mas a pobreza disparou e o Produto Interno Bruto (PIB) despencou 5,1% no primeiro trimestre, colocando o país em recessão técnica.

“O plano dele pode até fazer a inflação cair só que com o custo de uma recessão muito profunda. Isso faz sentido? Não sei. Você quebrar o país para debelar a inflação não me parece uma coisa razoável”, afirma Livio. “Não tem estratégia de transição. O plano é bater o carro e a gente vê o que faz com quem ficar vivo.”

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