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segunda-feira, 30 de setembro de 2024
Bets fazem estudante perder R$ 700 mil e professora trocar dinheiro de remédio por aposta
Beatriz Irineu
Jorge* tem 28 anos e se considera um "perdedor" para o jogo, mas um "vencedor na vida". O estudante universitário, que aposta em bets desde os 20 anos, revelou estar sóbrio há um ano. Pelo vício, chegou a pedir dinheiro a agiotas, ser vítima de cárcere privado por algumas horas, além de ter perdido quase R$ 700 mil, fazendo com que a família se desfizesse de um carro e um imóvel.
A série de reportagens "O vício no jogo" visa entender quem são as pessoas com compulsividade em relação a jogos de azar, apostas esportivas e cassinos onlines, além de indicar os sintomas do transtorno e como buscar ajuda. Este é o primeiro de quatro conteúdos.
Ao Diário do Nordeste, Jorge diz que os jogos causaram consequências, que mesmo após um ano de sobriedade, ainda são pagas. "Eu sou perdedor pro jogo, mas na vida hoje sou um vencedor", define.
⚠️ Atenção! O texto a seguir pode conter gatilhos emocionais. Pessoas com problemas de dependência ou vício em jogos podem recorrer a atendimento psicológico e psiquiátrico. Se, aliado a isso, você tem pensamentos suicidas, busque ajuda. O Centro de Valorização da Vida (CVV), por exemplo, oferece apoio por chat na internet ou pelo telefone 188.
Foto: Louise Anne Dutra
O estudante universitário conta que começou jogando poucas vezes na semana, mas chegou ao "fundo do poço" jogando todo dia e toda hora.
"Jogava por brincadeira. Comecei apostando tipo R$ 10. Até que lembro que minha primeira aposta alta foi R$ 1 mil. Eu nem tinha esse dinheiro. Sou de uma família de classe média e pensei: 'vou jogar aqui porque era um negócio muito certo'. Era uma probabilidade muito baixa. Então, eu comecei a ganhar, a ganhar, e às vezes eu perdia também. Chegou um ponto que comecei a perder todo o dinheiro que eu tinha ganho, até meu próprio dinheiro, sem ser do jogo. Depois disso comecei a perder o dinheiro dos meus pais. Então busquei agiotas", relatou.
Jorge conta que mentia para a família. "Eu inventava histórias. Eles [os pais] iam me dando dinheiro, e eu comecei a ‘queimar’ até o ponto que conheci um agiota. E aí que potencializou 100% mais. Eu disse: 'Ah, rapaz, então posso jogar à vontade. Se eu perder eu pego o dinheiro pago e quando eu ganhar devolvo ele'. O resultado é que eu sempre perdia e quando eu ganhava não dava para cobrir, e ficava nesse ciclo", lembrou.
Com uma dívida de R$ 20 mil, o jovem chegou a ficar em cárcere privado, sendo ameaçado com armas, para o pagamento ser realizado. Ao contactar o pai de Jorge, o agiota pediu R$ 100 mil. No total, a família passou por pelo menos cinco cobranças de agiotas. O prejuízo chegou a cerca de R$ 700 mil, incluindo a venda de um apartamento e um carro BMW para quitar os valores.
Morador de Fortaleza, Jorge conseguiu auxílio nos Jogadores Anônimos (JA), irmandade fundada em 1957, nos Estados Unidos, que reúne grupos de dependentes em outros países. Hoje, ele não possui conta bancária e é dependente do pai em um cartão de crédito.
"Tenho vários irmãos lá [no JA], minha madrinha... Tenho várias pessoas que posso mandar uma mensagem na mesma hora que virão me ajudar. Tenho todas essas ferramentas ao meu dispor. Tem uma literatura. Tudo isso com a sua boa vontade, com seu objetivo. Só com a boa vontade não dá porque uma hora ela acaba. Mas, no conjunto geral, [com] a irmandade fica bem melhor para você conseguir", disse.
'Eu roubei, não tem outro nome'
Legenda: Luiza iniciou o vício em jogos com apostas esportivas online
Foto: Louise Anne Dutra
Luiza* também é uma jogadora anônima. A professora de 35 anos relatou que as apostas em bets e jogos de azar tiveram início em 2020. Em recuperação há um ano e dez meses, ela relata que levará seis anos para pagar as dívidas feitas no período de 2020 a 2022. "O 'boom' na minha vida do jogo foi da pandemia até a Copa [do Catar, em 2022]. Este período eu fiz um estrago que vou passar seis anos pagando", relata ao Diário do Nordeste.
A professora descreve que sempre foi organizada financeiramente e iniciou o vício apostando apenas no próprio time, mas migrou para os cassinos online com a paralisação dos jogos durante a pandemia de Covid-19.
Legenda: Tanto Luiza, quanto Jorge, buscaram apoio no grupo Jogadores Anônimos
Foto: Davi Rocha
"Esses cassinos on-line realmente se tornaram a ruína da minha vida. Hoje, a gente enxerga as coisas de outra maneira. Você deixa de pagar conta, você tira dinheiro da sua casa, de necessidade, de saúde. Você vai nesses bancos online e faz empréstimos, você vai pegar pessoas da sua total confiança inventando uma mentira para conseguir dinheiro. Se você tem R$ 20, você aposta R$ 20. Mas se você tiver R$ 2 mil, você vai apostar R$ 2 mil", descreve.
No auge da compulsão, Luiza conta que deixou de pagar o remédio contínuo da companheira dela, que sofre de uma doença autoimune, para utilizar o dinheiro em jogos. Segundo a professora, o remédio custa R$ 600.
"Imagina: eu 'papocava' R$ 600 em uma hora, o dinheiro do remédio contínuo de dor da minha companheira. Eu roubei, não tem outro nome", diz.
A professora buscou ajuda com um psiquiatra e com a participação semanal nos Jogadores Anônimos (JA). Atualmente, os aplicativos financeiros do celular de Luiza são controlados pela companheira. Mas ela deseja retomar esse controle quando completar dois anos sem jogar. "E eu tô completando em breve. Gosto de trabalhar com metas", diz.
Onde buscar ajuda
O grupo Jogadores Anônimos (JA) reúne e acolhe quem precisa e quer ajuda para deixar o vício em bets e jogos online. A iniciativa segue os mesmos princípios dos Alcoólicos Anônimos (AA), como informou uma representante ao Diário do Nordeste. Em Fortaleza, são realizadas três reuniões semanais, às segundas, quintas e sábados.
O JA disponibiliza uma linha de ajuda online, aberta, por meio da qual interessados podem se informar sobre os encontros presenciais e virtuais, no WhatsApp: (85) 98929-5529.
*As pessoas ouvidas nesta reportagem tiveram seus nomes trocados para preservar o anonimato.
Créditos
Beatriz IrineuRepórter
Davi RochaFotógrafo
Louise Anne DutraArte
Mariana Lazari e Felipe MesquitaSupervisores de Jornalismo
Nayana Siebra, Karine Zaranza e Alan BarrosCoordenadores de Jornalismo
Ívila BessaGerente de Jornalismo
Gustavo BortoliDiretor de Jornalismo
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