Blog do Amaury Alencar
O ano de 1866 foi um marco na evolução dos estudos da Biologia. Na data, o biólogo e botânico austríaco Gregor Mendel publicou seu trabalho “Experimentos com plantas híbridas”, no qual detalhou observações que ajudaram a humanidade a avançar nas pesquisas sobre a genética.
Quase do outro lado do território europeu, na Inglaterra, outro avanço foi feito no mesmo período: o médico John Langdon Down descreveu pela primeira vez ao mundo uma síndrome genética que passaria a carregar seu nome. A Síndrome de Down (SD) é ocasionada por uma alteração no DNA, a qual acarreta o surgimento de um trio cromossômico no par 21 do código genético.
No Brasil, a parcela da população que nasce com essa condição genética só viu surgir leis específicas que favoreciam sua integração na sociedade em 2015, com a criação da Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência. Apenas em 2016 foi oficialmente instaurado o Estatuto das Pessoas com Deficiência (EPD) no país, que está em vigor até os dias atuais.
De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 2021, cerca de 300 mil brasileiros haviam nascido com a Síndrome. Para a psicóloga Marina Holanda, de 24 anos, que é pós-graduanda em autismo e deficiência intelectual em Fortaleza, apesar do grande número de pessoas com a condição genética no país, a população ainda apresenta um conhecimento escasso sobre a SD, o que pode dificultar o desenvolvimento dos indivíduos que a possuem.
“Se tem uma ideia de que a pessoa com Síndrome de Down não cresce, mas não é bem assim. Ela vai crescer, precisa de apoio e pode ser muito bem desenvolvida. A arte e a música são fundamentais nesse processo, eu sempre indico procurar fazer atividades que sejam em grupos, isso ajuda muito a trabalhar as relações interpessoais. Esse contato de grupo acaba sendo uma rede de apoio, ter com quem contar é bom demais”, explica.
Arte e desenvolvimento
Marina detalha que o incentivo à arte e à interação por meio dela auxilia no aprimoramento das habilidades cognitivas e de socialização. Ela declara que, quando isso é realizado desde o início da vida, é possível que as crianças e os jovens apresentem uma grande evolução pessoal.
“É interessante a gente não limitar, mas sim apoiar e incentivar ao máximo, porque, quando a gente começa isso na infância, as habilidades são desenvolvidas cada vez mais. Nós precisamos trabalhar uma parte mais básica da questão social para depois trabalhar outras questões que vão surgir. Por exemplo, na adolescência surgem as questões de orientação sexual, de aptidões profissionais e outras coisas que precisam ser trabalhadas lá no início para que nós possamos desenvolver melhor lá na frente”, conclui.
A artista Bia Vidal, 26, afirma que a arte pode ser uma ferramenta que facilita a comunicação, especialmente para quem possui alguma dificuldade em se expressar. Ela atua como coordenadora pedagógica do projeto Arte de Incluir, que, desde 2021, auxilia crianças e jovens, com ou sem a Síndrome, a aprenderem alguma forma de arte, como pintura, dança e teatro.
“Eu acredito que incentivar qualquer criança, com ou sem Síndrome de Down, no meio das artes vai ter sempre um resultado muito bom. Com a arte, a gente consegue expor o que sente, o que pensa e o que ainda está tentando entender. Essa é uma forma de se comunicar muito forte, principalmente pra quem tem mais dificuldade com a fala.
Todo mundo é único, um jovem com Síndrome de Down não é igual ao outro, eles estão, às vezes, em processos de desenvolvimento diferentes, se você já chega pra conversar com um jovem com a Síndrome achando que ele vai falar de um certo jeito ou andar de um certo jeito, você vai se surpreender muito”, diz.
Teoria em prática
Para Alessandra Costa e Loana Lopes, diretoras da Associação Fortaleza Down, que realiza o projeto Arte de Incluir, o estímulo à participação de atividades que superam as diferenças é essencial. De acordo com elas, promover a relação entre crianças e jovens com a Síndrome e neurotípicos da mesma faixa-etária desmistifica a condição genética e incentiva a prática do respeito em sociedade.
“A Lei Brasileira de Inclusão é bem completa, porém falta fiscalização e empenho no seu cumprimento. Um grande gargalo dessa inclusão é a educação. Esse é um dos obstáculos mais difíceis de conseguirmos incluir nossos filhos. As escolas não estão preparadas e não estão verdadeiramente interessadas na inclusão. Não perceberam que a inclusão não é custo, mas sim, investimento em uma sociedade melhor”, detalham.
Segundo a servidora pública e professora Vládia Célia Monteiro Pinheiro, 51, o incentivo ao desenvolvimento dos jovens com Síndrome de Down também auxilia na modificação das opiniões das famílias quanto às suas capacidades e limitações. Sua filha, Maria Clara Monteiro Pinheiro, 22, que nasceu com a Síndrome, participa do Arte de Incluir desde 2019 e, para ela, já demonstrou mudanças significativas em sua autoestima.
“A principal vantagem é a melhoria da autoestima. As experiências de relacionamentos sociais são sempre muito importantes, principalmente para as pessoas com Síndrome de Down. Tais experiências contribuíram para o amadurecimento e para o aumento da segurança para desenvolver qualquer atividade, seja ela artística ou não.
A inclusão de uma criança com SD é muito mais fácil do que a de um jovem, portanto, os projetos de integração são fundamentais nessa fase da vida. É aquela máxima: ‘Não adianta chamar para a festa, tem que chamar pra dançar’”, declara.
o Estado Ce
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