Isolamento, fome e sede: caminhoneiros e produtores contam o drama de atravessar o trecho paraense da rodovia
Repórter Brasil61
Data de publicação: 12 de Dezembro de 2019, 03:30h
ÁUDIOTEXTO PARA RÁDIO
A BR-163 não é só uma rodovia estratégica e estrutural para a malha viária brasileira. Pela sua peculiaridade em ter demorado tanto para ser concluída, a estrada é conhecida por abarcar um mar de histórias. As dificuldades em alcançar o destino de escoamento dos produtos agrícolas, na região de Santarém (PA), são responsáveis em reproduzir narrativas de luta e sobrevivência. Há 20 anos, labutando no transporte de cargas da região, o caminhoneiro Eurico Tadeu sentiu, no corpo, o preço do descaso do poder público com a estrada.
Em 2014, ele viu um comboio de 15 caminhões travarem a estrada. A queda de uma ponte e o atolamento de dois veículos deixaram todos sem comunicação. “Cavamos oito dias para tirar água de beber. Ficamos sem tomar banho e comíamos o que tinha na mata. Não havia recursos. Até conseguimos o socorro, ficamos isolado”, contou Eurico, também presidente do Sindicato dos Transportadores Autônomos do Estado do Pará.
A sensação de isolamento e a perda de contato são comungadas com produtores e moradores da região. Enfrentar as precariedades da BR-163 exige coragem. É comum que caminhoneiros se neguem a fazer o frete nos períodos chuvosos intensos. Nesse período, há relatos de 50 a 70 quilômetros de engarrafamento. Nas redes sociais, alguns motoristas contam detalhes a epopeia. É o caso de Vilson Correia, que andou 25 km em dois dias.
SOFRIMENTO CONTÍNUO
Eurico Tadeu, enfatiza que ninguém que ir para Santarém, porque não tem como chegar ao seu destino. “Só vai quem realmente conhece, porque o sofrimento é muito grande. Está se perdendo muita coisa nesses 400 quilômetros. O caminhoneiro leva, às vezes, dois ou três dias para fazer esse percurso, isso se não chover. Isso é custo”, lamenta.
O caminhoneiro ressalta que os caminhoneiros também sofrem com a falta de segurança nas estradas, principalmente, porque não há fiscalização. “Falta, sobretudo, fiscalização. Não temos postos da Polícia Rodoviária Federal, por exemplo, porque ainda não existe asfalto. Além disso, tem muita carga errada, circulando livremente.
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Presidente do Movimento Nacional dos Caminhoneiros do Brasil, Gilsemar Stelle Borges puxa da memória as dificuldades de passar pela BR-163 em tempo de chuva incessante. “Fiquei de dois a três dias sem água, muitas vezes, sem comida”.
Recentemente, o episódio mais dramático da região ocorreu em fevereiro de 2017, no trecho do 65 km da rodovia, entre os municípios paraenses de Trairão e Novo Progresso, quando mais de quatro mil caminhões ficaram parados por cerca de 20 dias por conta de fortes chuvas e atoleiros em uma das partes ainda não asfaltadas da rodovia.
Na época, os prejuízos foram estimados em US$ 400 mil por dia - dados da Associação Brasileira de Óleos Vegetais (Abiove). As filas de caminhões chegavam a 50 km de extensão. “Paramos por falta de trafegabilidade. O governo não ofereceu condições, os caminhões ficaram atolados nos dois sentidos, bloqueando a rodovia. Até que parou a chuva, e o Exército Brasileiro foi arrastar os caminhões”, pontua Gilsemar.
LUTA CONTRA O TEMPO
Produtor rural e morador da cidade de Trairão (PR), município às margens da BR-163, Edvaldo Silva lembra-se do desespero de pegar a estrada em dias de chuvas. Certa vez, ele precisou socorrer a sua mãe, picada por um escorpião. Para salvá-la, necessitava cumprir 80 quilômetros da fazenda até a cidade de Itaituba, com atoleiros enormes no meio do caminho.
Felizmente, ela conseguiu ser medicada. “Em períodos de chuva, o tráfego de caminhões cai muito. São décadas de isolamento. Ficávamos constrangidos e sem esperança de que um dia nós pudéssemos chegar a esse momento de finalização. De ver energia, de ver a pavimentação das estradas. Enfim, um futuro melhor, no sentido de educação, de cultura, de desempenho financeiro”, comemora Edvaldo Silva.
Foram 43 anos de abandono desde a inauguração em 20 de outubro de 1976. Nessa região de Santarém, a vida se inviabilizou, gerando prejuízos incalculáveis. “Infelizmente, tudo aqui ficou muito tempo parado. A gente sofria porque não existia a mínima infraestrutura, nem manutenção na via. Para se viver por aqui, tem que se virar”, lembra-se Eurico Tadeu.
“Se virar”, no linguajar da região, é arriscar-se pela estrada sem o chamado “chão preto”, expressão dos moradores do local. Segundo dados da última edição do Anuário Estatístico de Segurança Rodoviária, divulgado pelo Ministério dos Transportes em 2017, a BR 163 registrou 1.035 acidentes envolvendo caminhões, o 8º maior número entre as rodovias federais brasileiras.
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