As cidades pequenas tem características especiais, muito próprias. A ocupação cede espaço e tempo ao fuxico, ao falar da vida da alheia, a discussões banais e improdutivas. O escutar de uma conversa de duas vizinhas ao varrer suas calçadas pela manhã, nos inteira de todos os acontecimentos ocorridos e/ou que venham a ocorrer.... A ociosidade se aguça nos finais de semana... .Uns permanecem nas calçadas, botecos, pracinhas enquanto “apronta” o almoço; outros recolhem-se, a chácaras, a visitar amigos e parentes nas fazendas e distritos.....Campos Sales bem emplaca esse “modus vivendi”
2. E com entusiasmo, Rossini, de saudosa memória, meu ex-colega e amigo, e Nonato Mariano, meu compadre, num dia de domingo, aportam no distrito de “Quixariu”. Era apenas uma escala. O destino seria almoço na fazenda do sogro de Rossini. A dupla, celebrizada pelas matreirices aprontadas a cada fim de semana, a restar sempre uma ”história”, um lance de “artista”, a servir, ao serem expostas, reprisadas, a gargalhadas de todos.
3. Avessos à condução de dinheiro nos bolsos, comparecem a um barzinho. De cara vislumbram todo o ambiente composto por fotos de Amado Batista. E daí o estalo, e a “arte” aflora. Sem qualquer combinação prévia, apenas mera troca de olhares, já com cerveja nos copos, gestam a jogada.
4. A nação brasileira, como sabido por todos, tem na formação do seu povo, além do índio, o imigrante europeu saudoso, emotivo, e o africano submisso circunstancialmente, e tendente a eleger idólatras. E essa característica ainda hoje se manifesta, e potencializada sob o foco da mídia, seja no esporte, na música, na política partidária, etc etc.., .tanto assim ser comum os desmaios de pessoas à simples visão do seu ídolo!
5. Pois bem. Identificada essa “fraqueza” na dona do bar, a dupla inicia um diálogo a se fazer ouvir, envolvendo o cantor Amado Batista. A conversa, propositalmente denunciava uma certa intimidade ou aproximação com o artista. Em dado momento, – “Escuta, vocês conhecem o Amado Batista? É isso mesmo? Já o viram de perto? Conversaram com ele? – indaga a proprietária. E após um calculado silêncio... ”Lá vai -, diz Rossini com o seu jeito peculiar de convencer - .... --“o Nonato é primo legítimo dele, os pais são irmãos. Próximo mês vem a Campos Sales e se hospedará na sua casa. Veja como se parecem! – ( na realidade, coincidentemente há visível semelhança, sendo o meu compadre mais feio ainda). Dito isso, a mulher pasma, em transe, ofegante e aumentando o volume do som, evidentemente em melodia do ídolo e acariciando os braços do compadre: – “Meu Deus como parece mesmo” -. Nesse ínterim, meu compadre interrompe....”Olhe eu não garanto de trazê-lo aqui, mas cantará uma canção pra você, na minha casa. Prometo e cumpro”!. E haja cerveja e mais cerveja, e no entrecortar da conversa dando conta, em detalhes, da intimidade entre os primos, certificando o parentesco, interrompe a mulher -- ....-“eu tinha reservado essa galinha assada para o prefeito, que aqui vem hoje, mas...”, recolhendo-se à cozinha.... e postando a iguaria sobre o balcão - ..”.é pra você Senhor Nonato, é como se fosse pro meu querido Amado Batista.
6. Exaurida toda bebida e comida do barzinho, sob DISPENSA do pagamento, grita Nonato, já na moto, - AGUARDE, TÃO LOGO O ‘’PRIMO’’ CHEGUE EU MANDAREI BUSCÁ-LA - . Decorrido décadas!!! Outro dia, me deram conta haver a encontrado em Campos Sales (Ce) buscando localizar o endereço do “primo” do Amado Batista, crédula, asseverando ainda na espera, insone e ansiosa, do chamado para ouvir a canção “Princesa” interpretada pelo seu ídolo, baixinho e ao seu ouvido.....
Brazcortez/05.06.22
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